4 de junho de 2009

Livros – a estranha lógica editorial.

Não raro a gente sempre ouve falar que o brasileiro lê pouco, que os jovens não costumam gostar de livros, que falta cultura nesse país, essas coisas. Eu inclusive já tentei pesquisar e falar mais sobre o assunto, sempre apostando que a gente lê sim, e muito, mas não nos livros. E eu nunca vi ninguém conseguir explicar, por A + B, porque os livros são tão caros e tão inacessíveis nessa terra tupiniquim.

Encontrar explicações plausíveis era tão difícil, tão complicado, que eu resolvi pesquisar por conta. Fui atrás de editoras famosas, procurei falar com o atendimento das mesmas e questionar porque o valor de venda dos livros é tão alto. Cheguei até mesmo a perguntar à editoras internacionais, com o intuito de fazer uma comparação – afinal, todo mundo já ouviu falar pelo menos uma vez na vida que "livros norte-americanos em paperback são muito mais baratos que as edições nacionais". Mas foi tudo em vão, pouquíssimas delas responderam; algumas agradeceram o contato, outras me encaminharam a outros órgãos responsáveis (que também não responderam).  Fiquei decepcionada duas vezes, uma por não conseguir nenhum retorno satisfatório, outra por continuar com a minha dúvida.

Até que um dia, em um encontro despretensioso com o professor Paulo Franchetti, presidente do conselho editorial e diretor-executivo da Editora da Unicamp, tive a oportunidade de conversar com ele sobre algumas questões editoriais que me intrigavam, e além de respostas, tive um interessante panorama do processo de edição e publicação de livros no Brasil, o que eu acho que vale muito a pena compartilhar.

Como todos sabemos, ser brasileiro, além de conhecer samba e carnaval, subentende também o entendimento de alguns outros conceitos como corrupção, miséria, desigualdade e livros caros. E como a gente acaba sempre culpando a pessoa errada, toda vez que pensamos em livros caros maldizemos as editoras, usando todo o nosso repertório: corruptas, aproveitadoras, blablablá. Acontece que a culpa, na verdade, é das LIVRARIAS. Sim, aquela bonita livraria, com café e internet, música ambiente e tudo o mais está extorquindo de você, cobrando caro pelos livros que, normalmente, custam METADE do que você pagou.  Eu explico: As livrarias não adquirem os livros, elas os vendem por consignação, ou seja, os livros ficam na estante e, quando vendidos, o valor do livro é revertido para a editora. Isso tudo com a pequeníssima margem de 100% de lucro em cada exemplar. Pode começar a pedir compulsivamente descontos nas livrarias, sem dor na consciência. Elas podem, e você não está, de forma alguma, fazendo com que tenham prejuízo.

E tem mais: além de terem 100% de lucro, as livrarias cobram aluguel da estante onde os livros vão ficar. E por centímetro. Avalie você o quanto deve custar para uma editora para manter um Ulysses, de Joyce, em uma estante.  E – pasmem – quando um livro fica por muito tempo na estante sem ser vendido, as livrarias retornam esses livros para as editoras (que pagaram o aluguel da estante!), alegando que o livro não circulou. Isso explica a seção de best sellers, todos os clássicos, e o porquê de não encontrarmos livros que não estão no circuito comercial para pronta entrega, apesar das livrarias estarem sempre dispostas a fazer encomendas.

Se você, como eu, ficou surpreso e estarrecido com tudo isso, deve estar agora pensando em como poderíamos solucionar esse problema,  como, por exemplo, barateando o custo do livro, trocando a impressão em folha normal por papel jornal, essas coisas que encontramos nas edições paperback norte-americanas. Pois bem, o triste é que isso não é possível. Hoje em dia, o custo de um livro já é bastante barato, praticamente equivalente ao paperback americano, só que com melhor qualidade.

Segundo o professor Franchetti, o que acontece nos Estados Unidos é que sempre a edição em paperback é lançada depois da edição de luxo, com capa dura e costurada. Depois de toda essa tiragem ser vendida é que se publicam os livros em paperback, que basicamente é o livro em capa mole e com interior em papel jornal. Costumeiramente, as edições de luxo nos Estados Unidos acabam rápido, porque boa parte delas é adquirida pelas bibliotecas americanas, devido à sua durabilidade, e por colecionadores. No Brasil, nossas edições de luxo são lançadas apenas em algumas situações, como em comemoração a algum centenário, e têm uma tiragem bem pequena. E o nosso "paperback" tem um papel de melhor qualidade, pois existem subsídios do governo que barateiam o papel para livro, de forma que ele fica mais viável que o papel jornal.

Resumo da ópera: livro no Brasil é caro porque as livrarias apelam nos preços, e temos o nosso próprio paperback, que chamamos de capa-mole, que é muito melhor, em termos de qualidade, do que o paperback norte-americano.

Tudo isso me fez pensar em duas coisas: primeiro, de nada adianta termos e-readers, se vamos continuar vendo as livrarias lucrarem verdadeiros absurdos em cima de nossos livros; segundo, se um dia eu quiser ganhar muito dinheiro, vou abrir uma loja online e adquirir os livros das editoras, vendendo com 50% de margem de lucro. Mas aí, provavelmente, vão me tirar do mercado a força.

Portanto, é hora de parar de reclamar que brasileiro não tem cultura, que não lê livro, que não se esforça. A gente tem toda a cultura que a máquina de xerox deixa a gente alcançar. Assim, acho que já passou da hora de ter alguma medida que faça com que as livrarias fiquem mais sensatas, e parem de querer fazer fortuna em cima de quem quer "fazer" cultura.

Saiba mais sobre o assunto no artigo "Entenda a lógica estúpida do mercado editorial em 7 tópicos", de Alessandro Martins

 

 

 

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